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sábado, março 5

A Lucidez da Velhice III



OP – Ter consciência do mundo, se tornar adulto, conhecer o amor e a dor de cada dia vai nos tornando mais utópicos, ou mais realistas?

Boff – As duas coisas. Porque a utopia é uma energia que está dentro de nós, quando a gente fala do princípio de esperança. O princípio de esperança é aquela energia que nos faz enfrentar dificuldades, projetar sonhos, ter visões melhores do mundo. Mas sabemos que a utopia nunca será realizada. A utopia é como as estrelas: elas estão lá em cima, enchem de sentido a noite, orientam os navegantes, mas nunca alcançamos as estrelas. Mas, se não tivéssemos as estrelas, o que seriam de nossas noites? Porque amamos as estrelas, não tememos a noite. A noite é o mundo real. A gente vive tentando traduzir a utopia em processos de viabilidade de relações de trabalho, matrimônio. Tudo é uma aposta. Se der certo, somos felizes. Se fracassar, temos a capacidade de sintetizar isso de uma forma que nos faz mais maduros. As duas coisas convivem: o real está aberto ao utópico, e o utópico pede realização. Nunca conseguimos realizar totalmente. Por isso estamos sempre a caminho.

OP – Em matérias pelos sertões do País e pelas carências das pessoas, nos surpreende sempre a reinvenção do existir, a celebração da vida – mesmo que seja uma vida severina. Como o senhor explicaria a felicidade do pobre?

Boff – A felicidade do pobre está naquelas pequenas coisas que nós, mais instruídos, vivendo na cidade, os benefícios da cultura, muitas vezes, perdemos. O pobre é feliz pela solidariedade que existe entre eles. Uma mulher morre, deixa cinco filhos, eles disputam para adotá-los. As festas deles – e eu trabalho em favela há mais de 20 anos – são de total singeleza. É pipoca e Coca-Cola. É conversa, dança, contar casos, com o mínimo de coisas materiais. Um tempo atrás, recebi a visita de um jornalista alemão que cobriu áreas do mundo inteiro. Eu o levei para uma festa popular. Comiam um churrasquinho, tomavam Coca-Cola, dançavam, e ele começou a chorar: “Tô pedindo a Deus que quero morrer num lugar assim, onde os seres humanos se reconciliam”. Todos pobres e lascados, mas felizes. (A felicidade do pobre vem das relações).

OP – O senhor consideraria o povo brasileiro feliz?

Boff – Considero o povo brasileiro um dos mais felizes do mundo. Porque ele tem uma visão encantada do mundo: se sente acompanhado por Deus, pelos santos fortes, pelos orixás… E tem uma visão lúdica do mundo. Sabe cultivar seu Carnaval, dançar suas festas, torcer por seu time. E é um povo de esperança, sempre acredita que amanhã vai ser melhor. Essas dimensões vão ter um significado no processo mundial da emergência de uma nova sociedade. Não pode ser prolongamento desta: materialista, fria. Tem que incorporar a razão cordial, a relação de amizade, o sentido da cooperação e da solidariedade. São fatores que produzem a felicidade. O povo brasileiro tem um superávit enorme nisso. E a convivência com Deus. Sabem que Deus está junto. “Fica com Deus, vai com Deus, graças a Deus”. Isso pertence à nossa identidade. O povo brasileiro não acredita em Deus. Ele sabe que Deus existe: sente, na pele, Deus. Deus pertence à vida, é o galho último no qual me agarro. Por isso, não vamos para a violência absurda, nunca fizemos grandes revoluções. O que nos leva a saber sempre negociar ou conciliar.

Fonte: O Povo / Fortaleza / 2010 ANA MARY C. CAVALCANTE / REPORTER. Colaborou Luiz Henrique Campos.

http://opovo.uol.com.br/app/o-povo/paginas-azuis/2010/08/02/internapaginasazuis,2026243/ a-lucidez-da-velhice.shtml

bjs,soninha



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