Paz e Amor!

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domingo, agosto 29

CASOS DE DR. BEZERRA DE MENEZES:



1) 

Quando Bezerra, por exemplo, era ainda presidente de uma companhia de carris, deixava certo dia os escritórios da mesma, na Rua Sete de Setembro. Seis horas da tarde; como dirigente escrupuloso, era sempre o último a sair, após assistir ao fechamento das portas do escritório. Dispunha-se a descer a via pública, rumo ao largo de São Francisco de Paula, onde iria tomar o bonde para a Tijuca. Já na calçada, Bezerra encontrou um velho conhecido, que o abordou nervoso e trêmulo. 

- Que é isso meu caro? Que sucedeu? 

O homenzinho, com a fisionomia transtornada e angustiosa, contou que acabara de perder o filho e que, desempregado e desprovido de recursos, vinha precisamente para falar ao velho amigo. Bezerra não pediu mais explicações. Chamou-o para o desvão de uma porta, enfiou a larga mão ossuda na algibeira da calça e sacou da carteira. Toma, meu "velho". Leva, leva isto. É tudo o que eu tenho no momento. Espera; ainda há mais! E vasculhou os bolsos do colete de onde retirou alguns níqueis. O infeliz relutou. Mas Bezerra meteu-lhe a carteira e as moedas no bolso do casaco e, sem mais conversas, ganhou a rua.

Com lágrimas nos olhos o amigo se despediu. Quanto havia na carteira? Nem mesmo Bezerra o sabia; nem lhe importava saber. Desceu a Rua Sete de setembro e chegou ao largo. Já instalado no bonde, com o jornal aberto sobre os joelhos, meteu os dedos nos bolsos do colete e só então se lembrou de que lá não existia uma moeda sequer! Calmamente saltou e se dirigiu a uma casa conhecida, onde foi pedir, pelo menos, os trezentos réis da passagem... 


2) 

O conhecido homeopata achava-se certa manhã nevoenta e penumbrosa, em seu pequeno consultório na Farmácia Cordeiro, à Rua 24 de Maio, na estação do Riachuelo. Fora, na estreita sala de espera, acotovelava-se a miséria do bairro. Mulheres emagrecidas pelo esforço contínuo e brutal dos trabalhos mais pesados sustinham nos braços crianças descarnadas. Homens do povo, proletários infelizes e sem recursos, encostavam-se às paredes, no esforço de disfarçarem a própria fraqueza, oriunda de prolongado estado de desnutrição. Bezerra de Menezes, pacientemente, com aquele olhar de apóstolo, fazia entrar um por um, no consultório. 

Com palavras de doce mansuetude animava a todos, após a consulta e a receita, despachadas gratuitamente. Porque ele não cobrava mesmo, fosse o que fosse, à sua clientela pobre. Pobre ou rica. Os que podiam davam-lhe aquilo que bem entendessem. Naquela manhã, no entanto, apenas as mãos da miséria se estendiam para o clínico.

Em dada ocasião, penetrou no consultório uma pobre mulher, com uma criança embrulhada, nos braços. Sentou-se e apresentou o filhinho. Seu aspecto, de profundo desalento, traduzia o drama horrível das vidas cujo corolário é a provação miserável da fome. Bezerra auscultou a criança; indagou dos sintomas mais elucidativos da moléstia; em seguida receitou. Volte para casa, minha filha, e dê ao menino estes remédios, de hora em hora. Compre-os aqui mesmo se quiser... A mulher desandou a chorar...Comprar, doutor.... Comprar com o quê?... Não tenho nem pão para dar a meu filho...

Bezerra descansou sobre a infeliz seus olhos mansos. Devia ser assim o olhar de Jesus Cristo quando fitava os miseráveis. Não se aflija, minha filha. Vou ajudá-la. Nós estamos no mundo para sofrer com os nossos irmãos das suas dores... E procurava pelos bolsos do casaco o dinheiro que porventura lá houvesse. Mas não havia nenhum. O último fora dado ao cliente anterior... Remexeu em todas as algibeiras, com uma esperança secreta. Tudo em vão. Pôs-se então a pensar. Diante dele soluçava a imagem viva da "mater dolorosa". Os pensamentos turbilhonavam no cérebro do apóstolo. E foi com o olhar turbado pela névoa de uma profunda mágoa que ele fitou a sua mesa de trabalho, os velhos livros empilhados no armário, os papéis e a caneta, voltando entre os dedos. 

De repente, a um movimento da mão, a esmeralda do seu anel de médico desprendeu um brilho estranhamente verde. Verde... esperança... E ao brilho da pedra, seguiu-se o brilho de contentamento do olhar do médico. Enquanto a mãe soluçava, Bezerra sorria. Mansamente, vagarosamente, puxou o anel do dedo. Virou-o, entre os dedos longos, afundando o olhar no mistério verde daquela pedra, engastada no ouro farto do aro. Seu anel de formatura! Viu dentro dele, em um instante, todo o seu longo e porfiado esforço para alcançar o direito de usar aquele emblema. Quanta luta! Quanta canseira! E sentiu uma satisfação de o poder empregar na ação mais humanitária que Deus lhe proporcionara na vida. Intimamente, agradeceu a lembrança daquele momento; voltou-se para a infeliz. – Toma, minha filha, leva isto para casa. Poderás comprar leite, remédio e mais alguma coisa para o teu filhinho. 

A mulher, vendo o anel que brilhava na palma de sua mão, com os olhos atônitos e abertos, não sabia o que pensar. O médico não lhe deu mesmo tempo para tanto. Já de pé, convidava-a a deixar a sala. Impelida pela mão bondosa do clínico, a pobre mãe deixou o consultório. Quando se voltou para agradecer, pôde ouvir apenas a sua voz apostolicamente mansa: - 

Entre, aquele que estiver em primeiro lugar. E a porta do consultório tornou a fechar-se. 



 bjs,soninha


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